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16 maio 2012

GQ l à conversa com Scott Shuman, The Sartorialist


Scott Shuman esteve em Madrid e eu acompanhei a sessão fotográfica, num loft criado para o evento de lançamento do Xperia ray, o modelo da Sony Ericsson que o autor do blog thesartorialist.com - que com milhões de visualizações é hoje considerado um dos bloggers mais famosos do mundo - lançou na cidade ‘de la movida’. Ao lado de quase uma dezena de bloggers espanholas tive o privilégio de ser uma das portuguesas convidadas para o lançamento, o qual aceitei em troca de quinze minutos de conversa, que me permitiu escrever-vos estas linhas. Vivo sempre um misto de sentimentos sempre que entrevisto uma pessoa que admiro de alguma maneira. Porque se nos inspiram pelo talento ou pelos feitos, podem decepcionar a expectativa de quem os segue por uma personalidade moldada aos devaneios da fama, que deixa tantas nódoas. Para bem da minha expectativa, sempre grande em relação aos seres humanos, Scott Shuman ultrapassou qualquer receio, gravando para sempre um testemunho imenso de humildade e recolhi e partilho nestas páginas com gratidão.

Habituado a fotografar em cidades como Nova Iorque, Paris, Milão, Londres, Estocolmo ou Moscovo, Madrid acolheu com muito entusiasmo o homem da objectiva de rua. O cenário numa rua de uma madrilena mais típica construi-se num espaço, que pelas texturas e criatividade, poderia estar numa das divisões do nosso Lx Factory. Com quinze anos de muito trabalho no reino da moda e colaborador da GQ e Elle americanas, Fantastic Man ou revista Vogue francesa, Scott Shuman aceitou ser embaixador de um telemóvel pioneiro nos megapixéis e no design inspirado na natureza, uma palavra que já dispensa nos seus registos fotográficos. Como amante da naturalidade dos seres humanos que deambulam ou viajam pelas ruas da cidade, Scott Shuman troca as tendências das passagens de modelos, com o que as pessoas de facto usam no dia-a-dia. Assim nasceu o seu blog The Sartorialist, hoje considerado um pólo de tendências reais nos quatro cantos do mundo.

O estúdio retratava um ambiente de festa, uma mesa de amigos, ou numa conversa íntima de sofá, coloridos com os bloggers que deambulavam pelo estúdio enquanto Scott Shuman apanhava os momentos, com um estilo muito próprio, que mesmo na sua surpreendente baixa estatura fotografava como um homem elevado.

Assim foi a escolha da capa do seu livro editado e vendido em muitas livrarias do mundo, que transpira Julie, uma mulher sobriamente atraente de casaco verde e boina encarnada, que no seu olhar distante parece ter uma vida perfeita. Longe dessa realidade, a famosa mulher da capa do seu livro, a quem já chamaram a nova Audrey Hepburn – foi eleita pelo estilo, mas também por ter uma perna mais curta que a outra, braços excessivamente magros e a particularidade de coxear ao andar.

Com uma infância passada no Indiana, no meio dos Estados Unidos da América, onde não existe qualquer tipo de moda ou estilo, Scott Shuman cresceu a viajar e a sonhar através de revistas. Esse sentimento de procura e descoberta era muito forte e quando hoje em dia quando fotografa diz sentir o mesmo: ‘Eu não preciso de saber os factos… eu não quero saber os factos. Eu quero faze-lo sempre de maneira sonhadora e romântica, a maneira que como eu vejo as pessoas e daquilo que eu imagino delas’.

Abordei por isso a contradição que se revela como uma atracão fatal nas suas escolhas, que se revela sempre pela escolha do mistério. ’Quando fotografo uma pessoa na rua, não tenho de perceber tudo, não conheço, nem passo a conhecer a grande maioria das pessoas que fotografo e não acho que seja importante’. Na sua missão especial de captar tendências assume-me que a o trabalho é bem mais especial do que isso. ‘Eu não vou para a rua para caçar moda, marcas ou criadores e não estou interessado nos detalhes, mas antes nas pessoas que de alguma maneira me parecem interessantes. O que elas vestem não é o assunto principal e no final do dia, o que vejo no meu blog são imagens de pessoas’.

Sonhador convicto, confessa-me a rir, que tem a noção da importância de partilhar com o mundo muita gente bonita que encontra na rua. Acrescenta que tem sabedoria suficiente para saber que nem toda a gente que encontra é divertida ou maravilhosa na vida real, por isso guarda sempre alguma distância, sendo o momento do encontro com o viajante da cidade sempre muito breve. ‘Muitas das pessoas que fotografei jamais as verei de novo… e gosto deste mistério. E se por vezes as fotografias podem parecer revelar sobre a pessoa… é apenas sobre uma parte delas. É sobre o abstracto da ideia do que elas são. Para mim é mais estimulante e divertido dessa maneira porque é mais romântico e inspirador’.

No romantismo e na busca de inspiração pergunto-lhe o que sente pelas pessoas que fotografa. A resposta assenta-se na palavra respeito: ’fotografo-os com o mesmo respeito e dedicação com que fotografo os meus filhos e acho que o sucesso das fotografias se revela pela honestidade com que o faço. Pela expressão honesta que as consigo captar’. E confessa que mesmo achando que na vida é preciso confiança para seguirmos os nossos sonhos, é encanto que ele procura através da sua objectiva. ‘Mesmo os homens mais machos conseguem ter encanto. O homem da página trezentos e cinquenta e sete do meu livro parece um sem abrigo e ninguém diria que ele trabalha para a Ralph Laurent. Só descobri a sua profissão mais tarde e achei fascinante saber que é ele que compra as antiguidades para a casa Ralph Laurent’. Com uma assertividade eloquente nas escolhas e nas palavras é perspicácia que diz ter quando escolhe uma pessoa na rua.

Consciente e grato pelo caminho percorrido, partilha que quando se quer fazer alguma coisa grandiosa, é importante ter a noção que se navega num rio, não para ir apara esta ou aquela direcção, mas para nos deixarmos navegar até encontrar o que será uma margem elevada: ‘Quando era miúdo eu sabia que ia fazer alguma coisa importante, mas não sabia bem o que seria. Ao longo do caminho fui ajustando o que encontrava com aquilo que acreditava ser a minha grandeza. Quando estava na escola eu tive aulas de alfaiataria e design de padrões, mas logo nessa altura tive a perfeita noção que não seria um designer. Nunca imaginei ser fotógrafo, pois nunca tive aulas de fotografia. Comecei por fotografar os meus filhos, depois comecei a explorar como podia conjugar fotografia e moda e o que me movia era o que eu próprio pensava que seria a moda, a moda real, a moda viva nas ruas’.

Ao pegar o livro que pedi para assinar volta-me a falar da capa escolhida. A capa homenageia todos os que não deixam de expressar as bonitas pessoas que são, apesar das suas fragilidades estéticas ou físicas: ‘Há muita sinceridade em tudo o que faço. Os outros projectos servem para fazer dinheiro, o que me permite fazer o que mais gosto que é continuar a andar na rua a fotografar. Socialmente, o meu livro e o blog mostram outro tipo de pessoas… bem diferentes dos modelos jovens e frescos das revistas. Há pessoas a ir ao meu blog e a dizerem ‘eu quero parecer assim quando for mais velho’. 'Pela primeira vez os mais jovens estão-se a inspirar nos mais velhos que mantêm o encanto apesar da idade. E isto parece um detalhe, mas é muito importante. Mais do que moda ou estilo capturado, a ideia de poder retratar a elegância e nobreza do envelhecimento e poder tocar as pessoas é a minha maior riqueza’.

Na riqueza que foi também para mim conversar com Scott Shuman recolho a simpatia e o foco com que The Sartorialist partilha a humildade que conserva nas mãos e nos sonhos que ainda guarda. A promessa de visitar Lisboa, uma cidade do mundo, que também já não vive sem as tendências que Scott Shuman vai captando com sinceridade, pelas ruas da cidade.

crónica publicada na edição de Maio de 2012 na GQ

1 comentário:

  1. excelente entrevista,como sempre escrita com muita mestria,sobre uma pessoa cujo trabalho admiro muito.

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